Notícias Relacionadas

Necessárias reflexões sobre o endurecimento penal

Escrito por Luiz Carlos Leitão

Por Marcelo Crespo

A opinião pública tem continuamente postulado uma postura estatal mais rígida frente aos índices de violência e criminalidade do país. Não é algo que se possa considerar surpreendente porque o sentimento de insegurança é algo surgido noutros tempos e derivados de crimes bastante cruéis e escândalos envolvendo pessoas poderosas, econômica e politicamente. É bem verdade que o momento político não ajuda, especialmente porque a Operação Lava-Jato tem deixado muita gente demasiadamente exposta nos Poderes da República.

Fato é que, por outro lado, estudos e ideias sobre como o Estado deve atuar em face da criminalidade não são novidade, podendo-se dizer que desde o Absolutismo tem-se pensado em alternativas à barbárie decorrente das arbitrariedades do Estado, buscando-se, muitas vezes, maior eficácia no combate aos diversos tipos de delitos.

Foi isto o que ocorreu com o surgimento e transição das chamadas Escolas Penais na Europa, movimentos filosóficos e sociológicos que idealizavam mudanças na forma em que o Estado usava o Direito Penal, aplicando as penas e procurando reduzir os índices de criminalidade.

Mais precisamente na transição da chamada Escola Clássica para a Positiva, havida entre os séculos XVIII e XIX, pensadores como Lombroso, Ferri e Garofalo entenderam que os clássicos como o Marquês de Beccaria, Carrara, Carmignani e Rossi, apesar de terem conseguido introduzir alguma humanização ao Direito Penal, falhavam nas propostas para reduzir a criminalidade e, por isso, o aspecto ressocializador das penas deveria ser deixado em segundo plano, priorizando-se a defesa do corpo social e o “sentimento social de segurança”.

Note-se que este é um pensamento de meados do século XVIII para o século XIX e que está sendo revivido na atualidade quando se verifica o forte (e equivocado) pleito pela redução da maioridade penal, a utilização de provas ilícitas nos processos e a antecipação da execução da pena criminal após a condenação em primeira instância.

Tais assuntos estão em voga nos debates jurídicos e causa extremo espanto porque as propostas acima mencionadas – à exceção da redução da maioridade penal – advieram de agentes públicos como Procuradores da República e Magistrados, sendo certo que incumbe justamente ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Embora agora se cogite de uma alteração na proposta do Ministério Público Federal para que não se fale no uso de provas ilícitas, fato é que o posicionamento estapafúrdio decorreu da pressa em apresentar soluções mágicas e simples para problemas que demandam atenção contínua do Poder Público, com severas mudanças estruturais para um atendimento efetivo de políticas públicas de combate ao crime.

Afinal, indaga-se: em termos pragmáticos, o que vimos de diferente nas concepções do séculos XVIII e XIX para a atualidade? Nada! Não há soluções mágicas! Se pararmos para refletir por alguns momentos veremos que mesmo no Brasil isso não funcionou e, como um único exemplo mencionamos a lei dos crimes hediondos, que não serviu para reduzir os índices de criminalidade. Pelo contrário, empiracamente parece haver até mais crueldade atualmente que antes da referida lei.

A resposta estatal por meio de um simplório acirramento da intervenção penal, criando novas leis e tornando as demais mais rigorosas se presta apenas para que o Estado reafirme sua presença e força social sem que, de fato, resolva os problemas. O que se tem visto é a instalação de um quadro de emergência penal, aparentemente na tentativa de fazer da população uma aliada contra a impunidade. Então encontramos propostas absurdas (como as acima referidas), dotadas de fortíssimo poder vulnerante de direitos e garantias fundamentais e que são tratadas com uma naturalidade estarrecedora.

A insistência neste tratamento superficial da criminalidade significa a aplicação do que eu denomino “teoria do sofá”, aquele na qual ao surpreender o cônjuge consumando uma traição no sofá da sala, o consorte traído, para resolver a situação, troca o sofá e se dá por satisfeito.

Neste sentido, é fundamental reafirmar que a angústia e o desespero naturalmente contidos numa sociedade que convive com o crime dos pobres e dos poderosos não pode servir de pólvora para que agentes públicos se precipitem e proponham medidas que, a despeito de estarem aparentemente preocupadas em dar aparência de segurança, são ineficazes (conforme comprovado desde o século XVIII) ou, pior ainda, violam absurdamente a ordem Constitucional e legal.

Já passou da hora de se compreender que todas as instâncias do Poder Público (Legislativo, Executivo e Judiciário) erraram muito no trato das questões criminais, seja porque não as evitaram, seja porque não minoraram suas causas geradoras, até mesmo pela constante negativa de se conferir a devida atenção ao sistema prisional, hoje e sempre caótico e jogado as traças.

O preço de medidas emergenciais e desconectadas dos direitos e garantias fundamentais é alto demais e, quando menos se perceber, pode ser tarde para recuperar o estrago causado.

Fonte: http://canalcienciascriminais.com.br/ – 10/06/2015