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O Deputado ‘defendeu’ e o STF ‘aplicou’ o AI-5

Escrito por Luiz Carlos Leitão

Novamente vemos nosso Supremo Tribunal Federal em evidência e, pra variar, tomando atitudes bastante polêmicas, obscuras e exercendo sua já rotineira capacidade de realizar aquela “ginástica interpretativa” para abarcar seus devaneios, desejos e anseios.

De pronto já esclareço que não tenho simpatia pessoal pelo parlamentar Daniel Silveira, pois, a meu ver, é grosseiro e tosco, como ele próprio afirma em sua postagem, proferindo, também, discurso duro e praticando ataques a ministros da Corte, isso tudo publicado em suas redes sociais, mostrando uma conduta inaceitável e incompatível com os princípios do Estado Democrático de Direito, que certamente não deve estar albergada pela imunidade parlamentar. 

Importante ressaltar que além de criminosa, a fala do parlamentar merece ser avaliada pelo conselho de ética da Câmara, pois caracteriza falta de Decoro com postura totalmente inapropriada para um Deputado Federal, porém, entendo inconstitucional a fundamentação da decisão que decretou a prisão em flagrante, tratando-se de uma interpretação excessivamente extensiva do conceito de flagrante, o que seria muito perigoso, justamente por possibilitar a aplicação desse entendimento a vários outros casos.

Afora sua pequenez, esta situação vivenciada não deixa de ser uma oportunidade para as instituições discutirem os limites de suas competências, principalmente naquilo que envolve um diálogo sério de ordem pública, sobre temas fundamentais como liberdade de expressão e imunidade parlamentar. 

Aproveitando este triste fato, precisamos exigir que nosso Congresso Nacional, de forma urgente, delimite até onde há liberdade de expressão, pois não podemos aceitar que em seu nome tudo seja permitido e válido. Também temos que saber que a imunidade de um parlamentar não é absoluta, que não autoriza a delinquência, que não significa impunidade e que, através destes institutos, não seja a democracia utilizada para a busca de seu próprio fim.

Apesar disso tudo, mesmo fugindo para não adentrar na tecnicidade da decisão, discordo radicalmente da posição do STF tanto no reconhecimento do flagrante delito quanto em considerar o fato como crime permanente. Não vejo sentido se falar em permanência por estar perpetrado através da postagem de um vídeo, pois se assim fosse, qualquer um de nós estará apto a ser preso daqui a um ano por um vídeo postado hoje. Trata-se de uma teoria absurda que pode abrir um precedente perigoso em uma “democracia constitucional”.

A própria Constituição Federal, pressupondo atuação conjunta e harmônica entre os Poderes Judiciário e Legislativo, possibilita a prisão de parlamentares quando em flagrante delito para crimes inafiançáveis, contudo, o vídeo estar disponível na rede mundial de computadores, por si só, não caracteriza o flagrante, como tenta configurar numa construção grosseira, o ministro da Corte Suprema, ministro este, relator do não menos absurdo, inquérito das Fake News.

Precisamos racionalizar nosso sistema judicial. O Supremo é instância extraordinária, ou seja, não existem para corrigir erros e fazer justiça em cada caso, mas aproveitar algum caso paradigmático e fixar qual a interpretação da Constituição para esse assunto. E uma vez fixada essa interpretação, todas as instâncias devem segui-la. É preciso urgentemente melhorar o atual modelo.

Outro fator primordial se refere ao preenchimento de cargos nos Tribunais Superiores que não conta com critérios objetivos suficientes, ficando na dependência de uma política privada e, não raras vezes, de subserviência ao Poder Executivo Central. Com isso, cada vez menos juízes de carreira participam dessas Cortes, em detrimento da qualificação profissional, que não envolve apenas conhecimento técnico;

Relevante considerar que a questão judiciária passou a ser assunto urgente de nosso povo. O tema foi retirado daquele círculo restrito dos magistrados, promotores e advogados. Não se trata de discutir e resolver o conflito entre esses atores nem do espaço de cada um nesses poderes da República. O tema chegou às ruas. A cidadania anseia e deseja resultados concretos. Quer um sistema judiciário limpo, transparente, sem donos e feitores. Quer um sistema que sirva à população como um todo e não a seus membros. Essa é a real necessidade. 

A falta de qualificação adequada de nossos julgadores se reflete nos detalhes de sua atividade, desta forma nos assustamos de como os Ministros se manifestam cotidianamente fora dos autos, isso verdadeiramente é impressionante e, neste caso em particular, podemos utilizar o pronunciamento do Presidente da Corte, Luís Fux, em entrevista à Folha de São Paulo: 

“Se a Câmara derrubar, estará agindo de acordo com o que a lei permite e o que a jurisprudência do STF consagrou. A jurisprudência do STF admitiu que a Câmara pode, dentro da sua competência constitucional, derrubar. No meu modo de ver, o Supremo vai respeitar essa decisão. Agora, a sociedade é leiga, a sociedade não conhece essas minúcias constitucionais. Eu acho que a sociedade tem uma capacidade de julgar imediatamente quando os atos são assim tão graves. Então eu acho que a sociedade não está preparada para receber uma carta de alforria em favor desse paciente”.

Esta fala, em meu entendimento, se caracteriza em uma enorme pressão aos congressistas, além de clarear o modus interpretativo de nossos queridos julgadores, quando o Ministro Fux afirma em bom tom: “a sociedade não conhece essas minúcias constitucionais”. Vejam o absurdo aqui intrínseco, considerar a possibilidade da liberdade como simples minúcia constitucional.

É claro que não podemos excluir a postura ruim de nossos Congressistas que, deixaram o Supremo, novamente, atropelar o Poder Legislativo. Mas isso não é de surpreender. Ali o que vale não é a verdade, o justo e adequado, o que vale é o interesse que permeia o desejo da grande maioria. Um terço dos congressistas estão envolvidos em investigações sobre corrupção. A promiscuidade está instalada, interesses existem de todos os lados gerando o conluio perverso deste sistema apodrecido. Realmente lamentável.

De outro lado, atento à fala do Deputado Daniel, entendendo que foi grosseiro, agressivo e exagerado nas palavras, passou do ponto e merece ser processado Civil e Criminalmente, além de responder frente ao Conselho de Ética da Câmara, porém, ele disse o que boa parte da população brasileira gostaria de dizer aos nobres Ministros do Supremo. Também não vi desrespeito à Instituição e sim aos integrantes desta atual composição do STF. Merece sim ser processado pelos excessos que cometeu, porém, não preso.

Abaixo transcrevo algumas frases do Deputado que, talvez de forma mais polida e educada, poderiam ser ditas por mim aos Ministros, pois também representam o que penso:

“Será que você permitiria a sua quebra de sigilo telemático? A sua quebra de sigilo bancário? Será que você permitiria à Polícia Federal investigar você? E os outros dez aí da supreminha? Você não ia permitir. Vocês não têm caráter, nem escrúpulos, nem moral para poder estar na Suprema Corte”.

“Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita, de 11 novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereciam. Vocês são intragáveis”. 

“Eu só quero um ministro cassado, é tudo que eu quero. Um ministro cassado. Pros outros dez idiotas pensarem: “pô, não sou mais intocável, é melhor fazer o que tenho que fazer, julgar aquilo que é constitucional, de competência da Corte”. Fachin, intolerável, né? Inaceitável é termos você no STF”.

Com a análise dos fatos ocorridos nos últimos anos, e com minha parca experiência como jurista e cidadão, entendo, infelizmente, que os Ministros da atual composição do STF têm reescrito a constituição a seu bel prazer e conveniências. Que são casuístas e sempre apresentam pesos e medidas diferentes e controversas. Possuem interesses particulares que alteram convenientemente suas interpretações. Interferem indevidamente nos outros poderes da República e tem agido contrariamente à liberdade de expressão e nos trazem uma insegurança jurídica digna das piores ditaduras.

Mas de que se defendem os Ministros de nossa mais alta Corte? Qual ameaça à independência do Poder Judiciário é percebida? Estão sendo ameaçados pelos Poderes Executivo ou Legislativo? São ameaçados pelos militares? 

Creio que na história do Brasil, o Poder Judiciário nunca foi tão forte e independente. Mesmo tomando decisões contrárias aos interesses do Poder Executivo, do Legislativo, dos Militares e da população, como recentemente temos visto, a resposta social tem sido uma só́, a obediência cega às suas decisões. 

Então como explicar este aparente paradoxo reinante em nosso país, tanta independência de nosso Judiciário e tanta crítica por parte de representativa camada da população?

Fácil explicar tudo isso não é, mas encerro relembrando a fala final da personagem Capitão Nascimento no filme Tropa de Elite, que dá uma boa matéria para reflexão:

“Eu fui pra detonar o sistema. Contei tudo que eu sabia. Botei muito político corrupto na cadeia. E mesmo assim o sistema continuava de pé. O sistema entrega a mão pra salvar o braço. O sistema se reorganiza, articula novos interesses, cria novas lideranças. Enquanto as condições do Sistema estiverem aí ele vai resistir. Agora me responde uma coisa. “Quem você acha que sustenta tudo isso.  É! E custa caro. Muito caro. O sistema é muito maior do que eu pensava. Não é à toa que os traficantes, os policiais e os milicianos matam tanta gente nas favelas. Não é à toa que existem favelas. Não é à toa que acontece tanto escândalo em Brasília, que entra Governo, sai Governo, a corrupção continua. Pra mudar as coisas vai demorar muito tempo. O sistema é foda. Ainda vai morrer muito inocente”. (Capitão Nascimento)