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Lei: me trai, mas não vivo sem você…

Escrito por Luiz Carlos Leitão

Sempre me considerei um cumpridor da Lei. Sou seu fiel defensor cotidianamente, tanto nas práticas diárias de minha vida comunitária, quanto em minhas atividades como advogado.

Sempre a defendi e busquei praticá-la com esmero, carinho e dedicação, afinal é ela quem garante nossa tranquilidade e nosso harmônico convívio em sociedade.

Sempre considerei, assim como me foi ensinado, ser a Lei, o grande sustentáculo de um país verdadeiramente democrático e sua magnitude vem transcrita em nosso símbolo maior, a Constituição Federal de 1988, que em seu artigo quinto descreve que todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, trazendo em seus 58 incisos nossas garantias fundamentais.

Que lindo! Que bom sabermos que temos ao nosso lado essa leoa forte, robusta e inviolável a nos acalentar e proteger, a Lei… só que não!!!!!

Fui descobrindo que, de forma turbulenta, arbitraria e na pura rapinagem, essa entidade protetora veio, ao longo dos anos, sendo desfigurada, promiscuída por pessoas com índole e caráter duvidosos. Esquemas e ajustes buscando interesses pessoais ou direcionados a determinados grupos foram usurpando de sua real intenção e transformando a Lei num meio eficaz de conduzir nossos destinos, e vejam que interessante, apoiados por ela própria.

Ela deveria ser nosso porto seguro, nosso meio de convívio harmonioso, nossa garantia de igualdade de oportunidade, nosso mecanismo de pacificação social. Pois acreditamos sempre que a Lei deveria ser justa, indutora da criação do bem, além de servir para evitar o mal ou puni-lo adequadamente, se necessário.

Porém o Homem… Ah! O Homem, com sua sanha em levar vantagem em tudo, aos poucos foi descobrindo um meio de como burlar nosso sistema de garantias pra poder tirar proveito e atingir seus objetivos, utilizando a própria Lei como fundamento de suas iniciativas. Pra tanto, devagar e sempre, nosso amado Poder Legislativo foi criando conceitos aos montes para, na confusão e na “mão grande”, conseguir utilizar desta Lei em beneficio próprio. Bingo!!! Surgiu aí a mais deliciosa e abrangente regra, a Interpretação, e com ela veio o livre convencimento “motivado” do Juiz. Instituto que conferiu a nossos nobres julgadores “asas e peito de aço”. A partir daí já podem tudo, pois além de poder-se jogar na conta do “entendo desta maneira”, já que o convencimento motivado virou peça subjetiva demais, somando-se o fato de que não há instrumentos adequados e objetivos suficientes para julgar as atitudes de nossos queridos juízes.

É obvio que a grande maioria de nosso povo, gostaria de viver em um Estado verdadeiramente democrático e, consequentemente, de Direito. Porém encontramos um enorme problema em tudo isso, a Lei é feita por Homens. Daí já viu né, ela virou um meio eficaz de criar injustiças, gerar corrupção e ser bastante ineficiente, além de poder se tornar uma excelente ferramenta de poder e de controle social.

Acredito que minha indignação não é infundada, até porque, segundo a Lei, deveríamos ser iguais, principio básico da isonomia, mas ela própria cria diferenças, tanto é que temos mais de 50.000 autoridades com foro privilegiado no Brasil, temos categorias diversas, divididas em estatais e privadas. É a lei que concede privilégios a um grupo seleto em nosso País, brindados com auxílios moradia, carros oficiais com motoristas, agregando aí os vales transporte, creche, educação, funeral, mais plano de saúde, reembolso por despesas médicas e odontológicas, além de cafézinho e vale-terno.

Foi utilizando a Lei que cassaram uma Presidente da República e lhe permitiram (diferente do que diz a Lei) que continuasse com seus direitos políticos. Utilizando da Lei autorizaram a prisão em segunda instância e reutilizando-se da mesma Lei, proibiram a prisão a partir de decisão da segunda instancia, rsss (esta foi cômica, pra não dizer que foi trágica). 

Utilizando-se da Lei e sua interpretação, um Juiz e alguns Promotores abusaram de suas prerrogativas e condenaram um criminoso e, utilizando-se da mesma Lei, Juízes que não são juízes (fato este apoiado por Lei), anularam o processo todo declarando parcialidade do Juiz originário, anulando as condenações de um dos maiores criminosos que o País já produziu.

Abusando do poder interpretativo permitido por Lei, nossos juízes da Suprema Corte veem como correto abrir um inquérito, investigar, julgar e punir seus “culpados”, ignorando, desta forma, nosso combalido sistema acusatório.

Absurdamente agora, pasmem, a Lei permite que Deputados acusados e réus por corrupção em vários processos, possam julgar através de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, posturas supostamente ilegais e imorais de Prefeitos, Governadores e do Presidente da República.

É, realmente vivemos tempos estranhos. Vemos diariamente, grandes criminosos sendo libertos por toques e entendimentos jurídicos e trabalhadores sendo presos por desejarem trabalhar, tudo amparado por nossa querida Lei.

Desde criança, por conviver em ambiente jurídico, ouço dizer que nem tudo que é moral é legal, da mesma forma que nem tudo que é legal é moral. Entendo a máxima e até acredito ser verdadeira, partindo da premissa que as imoralidades seriam exceção à regra. Porém, não fiquem chateados comigo e me permitam, aqueles juristas, os corretos, decentes, vocacionados, cultos, preparados, trabalhadores e dedicados, a concluir que nosso sistema Judiciário está doente, carente de cultura, de vocação, de decência. Contudo, me permito lançar toda a culpa não no Poder Judiciário que deveria ser imparcial e defender a Lei em sua essência, sem interpretações corrosivas e direcionadas, também não culpo o Poder Legislativo, poder este que cria as Leis e deveria fazê-las pensando exclusivamente no bem comum e na felicidade de toda uma Nação, mas a jogo no seu verdadeiro responsável, o eleitor.

A partir dele, o eleitor, todas as mazelas são criadas e recriadas. A partir dele pessoas totalmente disfuncionais, despreparadas, corruptas e de índole má, chegam ao poder e criam ou recriam conceitos, teses e redirecionam a Lei, conduzindo-a prioritariamente para a facilitação de sua caminhada marginal, individualista e marcada por desvios de toda ordem.

Não há como fugir desta dura realidade. Ou aprendemos a votar, ou permaneceremos reféns desses incautos que tanto massacram nossa população.